Vamos tratar hoje do transtorno alimentar e você pode pensar, “mas eu não tenho nada a ver com isso, eu não sofro disso”. Se você felizmente não tem esse problema, aproveite para aprender e ajudar a alguém que tem. Não se tem falado muito sobre transtornos alimentares.
Existem três tipos principais desses transtornos: anorexia nervosa, bulimia nervosa e o comer compulsivo, também chamado de compulsão alimentar. Estima-se que 70 milhões de pessoas no mundo sofrem de transtornos alimentares. Esses transtornos ocorrem 20 vezes mais frequentemente em mulheres do que em homens, sendo raros em homens. A anorexia nervosa começa na adolescência ou na idade adulta jovem, e a bulimia parece começar um pouco mais tarde. A classe socioeconômica privilegiada, assim como profissões como manequins e dançarinas englobam os indivíduos com maior risco para esses sofrimentos.
Cientistas estimam que ao longo da vida, entre 0,5% a 4% das mulheres terão anorexia nervosa, de 1% a 4,2% bulimia nervosa e 2,5% transtorno do comer compulsivo. Na anorexia nervosa, 50% dos pacientes apresentam recuperação completa, 30% uma evolução razoável com períodos de melhora e recaída. O índice de mortalidade pode variar de 6% a 15%, das pessoas que morrem por causa da anorexia, 54% morrem por complicações físicas da doença, 27% por suicídio e 19% por causas desconhecidas.
Mas o que é afinal de contas anorexia nervosa? É uma doença mental caracterizada pela recusa da pessoa em manter o peso corporal mínimo. Ela tem uma procura incansável pela magreza, um intenso medo de perder ou ganhar peso, alteração da percepção da imagem corporal, uma negação quanto a estar magra e ter problemas. Ela não aceita ajuda de ninguém, e tem uma persistência em sentir-se gorda, mesmo estando abaixo do peso normal. Também acontece nas meninas, nas moças com anorexia nervosa uma interrupção da menstruação por pelo menos 3 meses.
A pessoa com anorexia nervosa tenta ansiosamente agradar os outros, mas acredita que ninguém irá gostar dela pelos defeitos de caráter que ela sente que tem. Conta mentiras sobre a quantidade de comida ingerida. A anoréxica caminha para uma grave e perigosa perda de peso auto induzida. Para isso, ela fica longos períodos em jejum, pratica exercícios físicos excessivos, ficando irritada se alguém disser que ela está exagerando. Ela usa laxantes, diuréticos, moderadores de apetite, provoca vômitos para forçar o corpo a perder peso.
E a bulimia nervosa, o que é isso? A bulimia caracteriza-se pela sensação de perda de controle alimentar. A pessoa tem episódios repetidos de comer compulsivo grande quantidade de alimentos, de qualquer tipo, por um espaço de tempo curto, gerando culpa, vergonha, medo de engordar. Isso leva a comportamentos inadequados de compensação, como indução do vômito várias vezes ao dia, uso descontrolado de laxativos, diuréticos, inibidores de apetite e outros medicamentos. Também fazem jejum ou exercícios físicos excessivos. Existem bulímicos que comem, vomitam, usam laxativos, diuréticos, fazem enemas (lavagens intestinais) e existem os que usam mais jejuns e exercícios exagerados.
O terceiro tipo de transtorno alimentar é o comer compulsivo, também chamado de transtorno de compulsão alimentar. É um transtorno alimentar caracterizado por episódios recorrentes de comer compulsivo, nos quais a pessoa come rápido até ficar exageradamente cheia, usando grandes quantidades de comida, mesmo estando sem fome. Geralmente se alimenta sozinha, pela vergonha em relação à quantidade de comida ingerida. A pessoa tem uma sensação de culpa, depressão e vergonha depois de comer grande quantidade de alimentos. Se sente geralmente desconfortável com o comer compulsivo e fica lutando com esse sofrimento.
O primeiro sinal que distingue a anorexia nervosa da bulimia nervosa é o peso corporal. Cerca de 70% das pessoas com bulimia tendem a ter peso normal, e 15% têm peso normal meio alto, por isso não sofrem pela ausência de alimentos. O ponto central nas desordens alimentares não é ligado aos alimentos em si, mas sim à dor emocional profunda. O que determina tais transtornos é o estado da mente.
Jovens com anorexia, ao se olharem no espelho, não se veem magras e percebem-se como gordas, mesmo tendo perigosamente baixo peso, ou seja, elas têm uma alteração da imagem corporal. Na raiz disso existe uma importante baixa autoestima, desgosto de si e pânico de engordar. Isso pode começar com uma simples dieta que a pessoa decide fazer, transformando-se numa obsessão que toma conta da sua vida; quando perder peso se torna uma obsessão e uma compulsão. Só para relembrar, obsessão é o pensamento que não sai da cabeça, compulsão é o ato de fazer, é a atitude incontrolada. Pensar demais é obsessão, e fazer algo sem controle é a compulsão. Compulsão é uma busca de evitar uma dor emocional, podendo ser tristeza, angústia, sensação de desamor, medo de rejeição e outras sensações.
Geralmente as pessoas com transtornos alimentares sofrem de perfeccionismo e uma estrutura de personalidade obsessivo-compulsiva. Preocupam-se demais com como os outros as veem. Apesar de poderem ser pessoas inteligentes com sucesso profissional, elas se veem como inadequadas e sem valor. A obsessão em torno da comida pode ser uma forma do indivíduo tentar ter algum controle sobre a vida, já que ele se sente em geral sem controle sobre a vida pessoal.
Algumas pessoas com anorexia nervosa se sentem poderosas quando sobem na balança e veem que perderam mais um quilo, mesmo estando já muito magras. É como se ela dissesse: “Tá vendo, eu tenho alguma coisa na minha vida que eu sei controlar, eu sei e posso controlar minha vida.” Na família dela, há, em geral, pessoas rígidas, controladoras, exigentes, super metódicas, onde a pessoa com transtorno alimentar é avaliada pelo que pode fazer e não pelo que é. Este modelo de família, parece que tem tudo planejado, tudo arrumado, com prejuízo da liberdade pessoal. Assim, a única coisa que o indivíduo entende que pode controlar é sua boca. Através dela é que a pessoa anoréxica ou bulímica acredita que pode obter algum controle e tomar decisões por si mesma.
O médico psiquiatra irá avaliar se o problema que a pessoa apresenta é realmente um transtorno alimentar e se ocorre ao mesmo tempo, o que chamamos de comorbidade. Comorbidade, na medicina, significa uma doença junto com outra. No caso dos transtornos alimentares, 30% das pessoas apresentam também transtorno obsessivo-compulsivo. De 12% a 18% dos que têm anorexia nervosa e de 30% a 70% dos que têm bulimia, apresentam abuso de substâncias, como álcool, maconha e outras drogas. A depressão acontece em 80% dos casos, e desordens de personalidade atingem entre 20% a 97% dos indivíduos com desordens alimentares.
A cultura e a mídia, infelizmente, fornecem apoio para esses distúrbios. Estudos feitos nas Ilhas Fiji, em 1995, revelaram que o corpo ideal feminino era gordinho, arredondado. Depois de 38 meses de um seriado norte-americano, além de outros shows na TV, houve, naquela sociedade nas ilhas Fiji, uma mudança no modelo ideal de corpo para a mulher, surgindo muitos casos de garotas adolescentes com sérias desordens alimentares. Um estudo da revista Health, que significa saúde em inglês, mostrou que 32% das mulheres norte-americanas que aparecem na TV estão abaixo do peso, comparadas com somente 5% da população feminina nos Estados Unidos. Além disso, somente 3% das mulheres que aparecem na TV são obesas, comparadas com 25% da realidade feminina norte-americana.
Quando tentamos compreender o que ocorre no mundo emocional das pessoas que desenvolvem transtornos alimentares, ao procurarmos esclarecer o significado psicológico desses sofrimentos, geralmente encontramos que, para algumas dessas pessoas, a desordem alimentar se tornou uma forma de tentar inconscientemente vencer na vida. Ao surgirem dificuldades ou problemas aparentemente sem solução, ao centralizarem seus pensamentos em alimentos e no comer ou não comer, elas bloqueiam sentimentos dolorosos. Isso porque acreditam e sentem que são incapazes de lidar com sentimentos dolorosos de uma forma adaptada, funcional, normal, equilibrada.
Em algumas pessoas, o transtorno alimentar representa um processo de fuga, ou seja, uma forma de evitar as consequências e tudo o que tem a ver com a adolescência para se tornar um adulto maduro. Para a pessoa, a princípio, a anorexia, a bulimia ou a compulsão alimentar parece ser a solução para todos os seus problemas; quer dizer, um meio de controlar os eventos. Mas o que acaba ocorrendo é que a desordem alimentar adquire controle sobre todos os aspectos da vida da pessoa. Já que o transtorno alimentar é uma maneira disfuncional, não saudável, da pessoa lidar com seus conflitos, mas é o que ela conseguiu até agora.
Dá para compreender o porquê ela é ambivalente sobre o tratamento. Ser ambivalente significa querer e não querer, gostar e não gostar, aceitar e rejeitar. Essas pessoas se tornam, em geral, ambivalentes quanto ao tratamento do transtorno alimentar porque, por um lado, a doença é o jeito delas lidarem com as dores da vida, é uma defesa, e por outro lado, elas querem melhorar, só que temem as consequências de abandonar a doença.
No Instituto Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, na Universidade de São Paulo, na cidade de São Paulo, existe um serviço de atendimento de pessoas que sofrem de transtornos alimentares. Esse departamento chama-se Ambulim, e você pode obter informações sobre ele pela internet, no site ambulim.org.br. Ali tem muitas informações que vão ajudar você.
Segundo informações da equipe da USP desse ambulatório de tratamento de transtornos alimentares, não existe uma única causa responsável por esses problemas de saúde. Acredita-se que na existência de múltiplos fatores, com participação de componentes biológicos, genéticos, psicológicos, socioculturais e familiares. Alguns fatores desencadeiam os transtornos alimentares, como por exemplo mudanças importantes na vida, como adolescência, mudar da cidade, a formatura, o início da universidade, começar um novo trabalho, a morte, o divórcio, o casamento, problemas familiares, entre outros.
Entretanto, o início desses transtornos não acontece necessariamente com algo dramático. Algumas pessoas são predispostas e mais vulneráveis para adoecer, e mediante um simples comentário de alguém sobre a imagem corporal delas, pode levá-las a pegar aquilo seriamente e começarem a ficar obsessivas com esse assunto. Fatores desencadeadores pegam a pessoa fragilizada que se sente incapaz de lidar bem com a situação.
O tratamento de pessoa com anorexia nervosa, bulimia nervosa ou compulsão alimentar necessita ser feito com a concordância da pessoa. Os obstáculos que encontramos têm a ver com a negação da doença, o medo excessivo de se tornar gorda e perder o controle, o medo de abandonar a doença que ela sente fazer parte da sua identidade. É preciso aconselhamento profissional, onde o psicólogo ajudará o sofredor a lidar com suas emoções e adquirir controle de seu corpo e de sua vida novamente.
Na terapia, a pessoa aprenderá a focar seus pensamentos, tirando-os da comida e do seu peso corporal, para os seus sentimentos, de maneira que ela possa lidar com eles de uma forma saudável. Pois então esses sentimentos embolados, reprimidos, mal elaborados, não expressados, não experimentados ou vividos parcialmente e logo jogados para o inconsciente, essas coisas é que estão na base psicológica desse tipo de sofrimento mental.
Muito importante no tratamento das desordens alimentares é o aconselhamento familiar, porque com isso cada membro da família entende o problema e pode estabelecer melhor relacionamento entre eles e, claro, com a pessoa sofrendo aquele transtorno. A internação está indicada caso o peso corporal esteja 40% ou mais abaixo do normal ou perda de peso cerca de 15 kg ou mais dentro de 3 meses. Se você conhece alguém com esse transtorno, procure ajudar. Fale com a pessoa que ela tem um problema sério. Ela vai negar, porque essas são doenças da negação e do segredo, mas insista com gentileza, firmeza e persistência para a pessoa reconhecer a doença e aceitar tratamento. Ela não vai admitir facilmente.
Evite falar dos maus hábitos alimentares dela e, em lugar disso, converse sobre como ela pode estar se sentindo infeliz e sobre as possíveis causas disso. Focalize a conversa em como a coisa pode ser mudada. Explique que a obsessão com alimentos, exercícios, peso corporal não tem que seguir assim, e é um problema real. Uma pessoa com anorexia ou bulimia dificilmente irá superar a doença sozinha, sem ajuda. Precisa de ajuda externa. A recuperação envolve admitir a doença, pedir ajuda, estar disposto a ser vulnerável e abrir-se para pessoas que poderão ajudar.
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Dr. Cesar Vasconcellos de Souza está trabalhando como psiquiatra e palestrante internacional. É autor de 3 livros, colunista da revista de saúde “Vida e Saúde” há 25 anos, e tem programa regular na TV “Novo Tempo”. Acesse mais conteudos no canal de Youtube.
Floracy diz
Peço oração e ajuda por favor, tenho uma filha que sofre de compulsão alimentar, e precisa se tratar, eu não posso falar nada que ele se sente ofendida, eu a amo muito.e não quero perde-la .Me ajude a ajuda-la por favor! Por Deus! Deus abençoe vcs!
Martin Neumann diz
Sim no momento que ela aceita ajuda, podemos indicar psicólogas habilitadas para tratar. Continue orando, e como fala o artigo, tente conversar sobre os sentimentos dela, que são a causa real do problema.
Linalva Machado Rego da Silva diz
Boa tarde!É! Temos que ajudar uns aos outros. Voces fazem um trabalho maravilhoso, mandando estes artigos pra nós. Muito obrigada! Deus os abençoe!🙋♀️🙏