Um menino viveu em uma família onde sua mãe nervosa, constantemente o depreciava, embora cuidasse bem dele em termos de saúde física, alimentar, higiene e cuidados médicos. Ele cresceu se sentindo sem valor e isso prejudicou sua carreira profissional e alguns relacionamentos, como é o caso de muitas crianças que foram vítimas de abuso na infância e adolescência.
Vários estudos científicos têm mostrado que o abuso emocional, o abandono de crianças por parte dos cuidadores e traumas emocionais na infância podem causar mudanças no cérebro que causarão dificuldades psicológicas nesses indivíduos ao chegar à idade adulta. Alguns podem desenvolver transtornos psicológicos e até abusar de substâncias como álcool, medicamentos e drogas ilícitas. O abuso emocional e físico contra crianças pode incluir xingamentos, ameaças de prejudicá-las fisicamente, prática de coisas que as deixem assustadas, espancamento, depreciação e desvalorização da criança.
Um dos erros dos pais ou cuidadores de uma criança é a negligência, que significa omitir as necessidades emocionais da criança. A negligência acontece quando o pai está excessivamente envolvido no trabalho e deixa a família de lado, ou quando a mãe fica fissurada em romances ou obcecada com seu próprio cuidado estético, deixando as crianças em segundo ou terceiro plano.
Cuidar bem das crianças envolve acreditar nelas, separar tempo para brincar com elas, levá-las ao parquinho, fazer elogios sinceros mediante suas conquistas mesmo que sejam coisas simples, lutar para manter a família unida, dar apoio às crianças em suas dificuldades escolares e no convívio social, ter amor genuíno por elas, desejando sinceramente que sejam bem-sucedidas em suas tarefas.
O cérebro das crianças está em rápido desenvolvimento e coisas como a exposição precoce a telas de eletrônicos e experiências emocionalmente traumáticas na família, como a presença de um pai ou mãe viciado em drogas, divórcio e brigas constantes, prejudicam o desenvolvimento cerebral dos pequenos, podendo, mais tarde, favorecer o surgimento de muita ansiedade, depressão, doença bipolar, estresse pós-traumático, transtorno de personalidade, entre outros.
O Dr. Martin Teicher e colegas do Hospital McLean, da Faculdade de Medicina de Harvard e da Universidade do Northeastern, estudaram a relação entre o abuso e a estrutura cerebral, usando exames de ressonância magnética para descobrir mudanças no cérebro entre jovens adultos que sofreram abuso ou negligência na infância.
Eles encontraram diferenças em nove regiões cerebrais nos que sofreram traumas infantis, mais presentes nas regiões cerebrais que auxiliam a equilibrar as emoções, impulsos e o pensamento. Alguns dos efeitos negativos sobre o desenvolvimento do cérebro de crianças vítimas de abusos e negligência na infância são:
- diminuição do tamanho do corpo caloso, que é uma estrutura cerebral ligada ao desempenho motores, sensoriais e cognitivos entre os hemisférios;
- diminuição do tamanho do hipocampo, que é uma área importante no aprendizado e na memória;
- menos volume no córtex pré-frontal, na região da testa, o que afeta o comportamento, o equilíbrio emocional e a percepção, entre outras funções.
Os maus tratos na infância perturbam a maneira como a química cerebral age, prejudicando nas crianças o seu comportamento, como lidam com as emoções e a sua interação social. Crianças vítimas de pais e mães descontrolados emocionalmente podem ficar com frequência em estado de alerta, com dificuldade de relaxar, sentindo medo a maior parte do tempo, tendo dificuldades de aprendizagem.
Segundo a teoria do apego, quando ocorre abuso e negligência dos pais para com os filhos, isso prejudica a formação de apego seguro entre a criança e o cuidador dela, produzindo angústia no pequeno e influenciando a maneira como a criança se vê a si mesma e aos outros.
Os maus-tratos na infância também perturbam a imagem emocional que as crianças constroem sobre Deus, pois uma coisa é o que se pensa que Deus é, e outra é o que se sente que Ele é. Se a relação dos pais com os filhos é traumática, predominantemente negligente e abusiva, eles passam a sentir que Deus é assim também, mesmo que racionalmente aprendam na sua religião que Deus é bom.
Os estudos têm mostrado que as crianças que sofreram abuso emocional ou negligência na infância podem apresentar, mais tarde:
- falta de controle emocional
- sentimentos de desvalorização pessoal
- desesperança
- pensamentos negativos automáticos e
- dificuldades para lidar com situações estressantes na vida adulta.
O que prejudicará a criança mais tarde na vida em função dos sofrimentos emocionais na infância depende da frequência com que ocorreram os traumas, da idade da criança quando isso aconteceu, de quem era o abusador e se a criança teve ou não um adulto confiável e amoroso em sua vida, do tempo de duração do abuso, do tipo e gravidade do abuso, se houve ou não um socorro para ela diante dos abusos, entre outros fatores, como a sensibilidade emocional da criança.
Adultos, vítimas de abusos na infância que passaram a manifestar transtornos emocionais, podem ser tratados com psicoterapia individual e, em alguns casos, com uso de medicamentos. Existem diferentes tipos de terapia psicológica para ajudar adultos que sofreram ou sofrem as consequências dos maus-tratos na infância, como a terapia de Exposição, que envolve interagir com algo que normalmente provoca medo enquanto se aprende lentamente a permanecer calmo.
Também existe a terapia familiar, que é um tratamento psicológico destinado a melhorar os relacionamentos dentro de toda a família e criar um ambiente doméstico melhor e mais solidário. A consulta com terapeuta familiar acontece com todos os membros daquele núcleo familiar ao mesmo tempo.
Em uma psicoterapia, a pessoa também pode aprender a ficar mais consciente de seus pensamentos e sentimentos, e ser instruída sobre como regular saudavelmente suas emoções e enfrentar os estresses de maneira melhor.
A terapia cognitivo-comportamental focada em trauma se concentra em ajudar as pessoas a aprenderem novas habilidades de enfrentamento de situações da vida, reestruturar pensamentos negativos, regular o humor e superar o trauma.
Melhor do que tratar os traumas originados em maus tratos ocorridos na infância é prevenir o acontecimento deles. Isso se dá com pais conscientes do impacto de suas palavras e atitudes para com os filhos, que se preocupam em aprender a administrar seus próprios pensamentos disfuncionais e sentimentos perturbados, para que possam oferecer uma melhor educação emocional para seus filhos.
Os pais precisam lembrar que seus filhos não pediram para nascer e merecem ser bem tratados. Também é importante considerar que os filhos não têm culpa dos sofrimentos que os pais tiveram na infância deles e que, por isso, esses pais precisam se controlar para não repetir os mesmos erros que ocorreram no passado, na família de origem de cada pai e mãe. Pense bem nisso. Deus vai te ajudar a controlar o seu sofrimento do passado para que não se repita no presente. Sua criança merece isso.
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Dr. Cesar Vasconcellos de Souza está trabalhando como psiquiatra e palestrante internacional. É autor de 3 livros, colunista da revista de saúde “Vida e Saúde” há 25 anos, e tem programa regular na TV “Novo Tempo”. Acesse mais conteudos no canal de Youtube.